Se o psicanalista clínico indagar a si mesmo qual
perturbação leva as pessoas com maior frequência a o procurarem em busca de
auxílio, ele será compelido a responder deixando de lado as diversas formas
de ansiedade – que consiste na impotência psíquica. Esta singular perturbação
atinge homens de natureza intensamente libidinosa e se manifesta como uma
recusa dos órgãos executores da sexualidade de levar a cabo o ato sexual,
conquanto antes e depois eles possam demonstrar-se como íntegros e capazes de
praticá-lo e conquanto apresentem forte propensão psíquica a realizá-lo. A
primeira chave para a compreensão do seu estado se obtém do próprio paciente,
ao efetuar-se a descoberta de que um malogro dessa espécie só surge quando a
tentativa se realiza com determinadas pessoas, enquanto com outras nunca há
qualquer cogitação de tal insucesso. Ele se dá conta, então, de que constitui
alguma característica do objeto sexual que dá origem à inibição de sua potência
masculina e, às vezes, declara que possui a sensação de um obstáculo dentro
dele, a sensação de uma vontade contrária que interfere vitoriosamente com a
sua intenção consciente. No entanto, é incapaz de se representar que obstáculo
interno é esse e que característica do objeto sexual o põe em funcionamento. Se
a experiência do malogro se repetiu, é provável que atribua ao processo
habitual de `conexão errônea,’ de que a recordação da primeira ocasião evocava
a ideia de ansiedade perturbadora, e assim motivava que o malogro se repetisse
todas as vezes; conquanto atribua a primeira ocasião em si a alguma impressão
‘fortuita’.
Os estudos psicanalíticos da impotência já
foram realizados e publicados por vários autores. Todo analista pode confirmar
as explicações por eles fornecidas, através de sua própria experiência clínica.
Trata-se, de fato, de uma questão da influência inibitória de certos complexos
psíquicos que são removidos do conhecimento do indivíduo. Uma fixação
incestuosa na mãe ou na irmã, que nunca foi superada, desempenha um papel
importante nesse material patogênico e constitui o seu conteúdo mais universal.
Além disso, existe a influência, a se considerar, das impressões penosas
acidentais relacionadas à atividade sexual infantil, e também aqueles fatores
que, de maneira geral, reduzem a libido que se deve dirigir ao objeto sexual
feminino.
Quando se investigam, exaustivamente, casos
marcantes de impotência psíquica pela psicanálise, obtém-se a seguinte
informação sobre os processos psicossexuais ativos nos mesmos. Aqui de novo –
como muito provavelmente em todas as perturbações neuróticas – a origem da
perturbação é determinada por uma inibição na história do desenvolvimento da
libido antes que esta assuma a forma que tomamos como sua terminação normal.
Nos casos que estamos considerando, duas correntes cuja união é necessária para
assegurar um comportamento amoroso completamente normal, falharam em se
combinar. Podem-se distinguir as duas como a corrente afetiva e a corrente
sensual.
A corrente afetiva é a mais antiga das duas.
Constitui-se nos primeiros anos da infância; forma-se na base dos interesses do
instinto de autopreservação e se dirige aos membros da família e aos que cuidam
da criança. Desde o início, leva consigo, contribuições dos instintos sexuais –
componentes de interesse erótico – que já se podem observar, de maneira mais ou
menos clara, mesmo na infância, e que se descobrem de algum modo mais tarde nos
neuróticos através da psicanálise. Corresponde à escolha de objeto, imaginário,
da criança. Aprendemos, assim, que os instintos sexuais encontram seus
primeiros objetos ao se apegarem às apreciações feitas pelos instintos do ego,
precisamente no momento em que as primeiras satisfações sexuais são
experimentadas em ligação com as funções necessárias à preservação da vida. A
‘afeição’ demonstrada pelos pais da criança e pelos que dela cuidam, que raramente
deixa de delatar sua natureza erótica (a criança é um brinquedo erótico),
concorre, em grande parte, para erigir as contribuições feitas pelo
erotismo de seus instintos do ego e para incrementá-la numa medida
em que se compele a desempenhar um papel em seu desenvolvimento ulterior,
principalmente quando algumas outras circunstâncias emprestam seu suporte.
Essas fixações afetivas da criança persistem por
toda a infância e continuamente conduzem consigo o erotismo, que, em
consequências, se desvia de seus objetivos sexuais. Então, com a puberdade,
elas se unem através da poderosa corrente ‘sensual’, a qual já não se equivoca
mais em seus objetivos. Evidentemente, jamais deixa de seguir os mais
primitivos caminhos e catexizar os objetos da escolha infantil primária com
cotas de libido, que são agora muito mais poderosas. Neste ponto, no entanto,
defronta-se com obstáculos que, nesse meio tempo, foram erigidos pela barreira
contra o incesto; em consequência, se esforçará por transpor esses objetos que
são, na realidade, inadequados, e encontrar um caminho, tão breve quanto
possível, para outros objetos estranhos com os quais se possa levar uma
verdadeira vida sexual. Esses novos objetos ainda serão escolhidos ao modelo
(imago) dos objetos infantis, mas com o correr do tempo, atrairão para si a
afeição que se ligava aos mais primitivos. Um homem deixará seu pai e sua mãe –
segundo o preceito bíblico – e se apegará à sua mulher; então, se associam
afeição e sensualidade. O máximo de intensidade de paixão sensual trará consigo
a mais alta valorização psíquica do objeto – sendo esta a supervalorização
normal do objeto sexual por parte do homem.
Dois fatores decidirão se esse avanço no caminho do
desenvolvimento da libido pode falhar. Em primeiro lugar, há a quantidade de
frustração da realidade que se opõe à nova escolha de objeto e reduz seu valor
para a pessoa em questão. Afinal não há qualquer sentido em decidir-se por uma
escolha de objeto se nenhuma escolha será de todo permitida ou se não há
nenhuma perspectiva de ser capaz de escolher alguma coisa adequada. Em segundo
lugar, há a quantidade de atração que são capazes de exercer os objetos
infantis, que deverão ser abandonados, e que existe em proporção às catexias
eróticas que se ligam a eles na infância. Se esses dois fatores forem
suficientemente fortes, o mecanismo geral, por meio do qual se estruturam as
neuroses, entra em funcionamento. A libido afasta-se da realidade, é
substituída pela atividade imaginativa (o processo de introversão), fortalece
as imagens dos primeiros objetos sexuais e se fixa nos mesmos. O obstáculo
erguido contra o incesto, entretanto, compele a libido, que se transferiu para
esses objetos, a permanecer no inconsciente. A atividade masturbatória levada a
efeito pela corrente sensual, que agora é parte do inconsciente, faz sua
própria contribuição, ao fortalecer essa fixação. Nada se altera nesse estado
de coisas, se o avanço, que é abortado na realidade, se completa agora na
fantasia e nas situação que levam à satisfação em masturbar os objetos sexuais
originais são substituídos por objetos diferentes. Em consequência dessa
substituição, as fantasias se tornam admissíveis à consciência, mas não se faz
qualquer progresso na localização da libido na realidade. Deste modo, pode
acontecer que a totalidade da sensualidade de um jovem se ligue a objetos
incestuosos no inconsciente, ou para colocar em outras palavras, se fixe em
fantasias incestuosas inconscientes. O resultado, então, é a impotência total
que, talvez, mais tarde se reforce pelo início simultâneo de um real
debilitamento dos órgãos que realizam o ato sexual.
Necessita-se de condições menos graves para dar
origem ao estado conhecido especificamente como impotência psíquica. Neste
caso, o destino da corrente sensual não deve ser o de que sua carga total tenha
de se ocultar atrás da corrente afetiva; ela deve ter permanecido
suficientemente forte ou desinibida para assegurar vazão parcial à realidade. A
atividade sexual dessas pessoas apresenta sinais muito evidentes, entretanto,
de que não possui a força impulsiva psíquica total do instinto por trás dela. É
caprichosa, facilmente perturbada, muitas vezes não propriamente executada e
não acompanhada de muito prazer. Mas, acima de tudo, é forçada a evitar a
corrente afetiva. A restrição, assim, se colocou na escolha do objeto. A
corrente sensual, que permaneceu ativa, procura apenas objetos que não
rememorem as imagens incestuosas que lhe são proibidas; se alguém causa uma
impressão que pode levar à sua alta estima psíquica, essa impressão não
encontra escoamento em nenhuma excitação sensual, exceto na afeição que não
possui efeito erótico. Toda a esfera do amor, nessas pessoas, permanece
dividida em duas direções personificadas na arte do amar tanto sagrada como
profana (ou animal). Quando amam, não desejam, e quando desejam, não podem
amar. Procuram objetos que não precisem amar, de modo a manter sua sensualidade
afastada dos objetos que amam; e, de acordo com as leis da ‘sensibilidade
complexiva’ e do retorno do reprimido, o estranho malogro, demonstrado na
impotência psíquica, faz seu aparecimento sempre que um objeto, que foi
escolhido com a finalidade de evitar o incesto, relembra o objeto proibido
através de alguma característica, frequentemente imperceptível.
A principal medida protetora contra essa
perturbação a que os homens recorrem nessa divisão de seu amor consiste na
depreciação do objeto sexual, sendo reservada a supervalorização, que
normalmente se liga ao objeto sexual para o objeto incestuoso e seus
representantes. Logo que se consuma a condição de depreciação, a sensualidade
pode se expressar livremente e podem se desenvolver importantes capacidades
sexuais e alto grau de prazer. Há outro fator que contribui para esta
consequência. As pessoas nas quais não houve a confluência apropriada das
corrente afetiva e sensual geralmente não demonstram muito refinamento nas suas
formas de comportamento amoroso; elas retiveram suas finalidades sexuais
perversas, cuja não-realização é sentida como uma grave perda de prazer e cuja
realização, por outro lado, só parece possível com um objeto sexual depreciado
e desprezado.
Podemos agora compreender os motivos ocultos sob as
fantasias do menino, mencionadas na primeira dessas Contribuições, que degradam
a mãe ao nível de uma prostituta. São esforços para transpor a distância entre
as duas correntes amorosas, pelo menos em fantasia e, pela depreciação da mãe,
adquiri-la como objeto de sensualidade.
No capítulo anterior, abordamos o estudo da
impotência psíquica do ângulo médico-psicológico, ao qual o título deste
trabalho não faz alusão. Tornar-se-á evidente, no entanto, que esta introdução
foi requerida para proporcionar acesso a nosso tema propriamente dito.
Reduzimos a impotência psíquica à falha em se
combinar as correntes afetivas e sensuais no amor e se explicou essa inibição
do desenvolvimento, por sua vez, como se devendo a influências de poderosas
fixações infantis e da subsequente frustração da realidade através da
intervenção da barreira contra o incesto. Há uma objeção principal à teoria que
desenvolvemos: oferece demasiado. Explica por que certas pessoas padecem de
impotência psíquica, mas nos deixa frente ao mistério aparente de como outras
foram capazes de escapar a essa perturbação. Visto que devemos reconhecer que
todos os fatores relevantes que conhecemos – a forte fixação infantil, a
barreira ao incesto e a frustração nos anos de desenvolvimento depois da
puberdade – podem ser encontrados em praticamente todos os seres humanos
civilizados, deve-se justificar a perspectiva da impotência psíquica como uma
condição universal da civilização e não uma perturbação circunscrita a alguns
indivíduos.
Seria fácil fugir a esta conclusão apontando para o
fator quantitativo na motivação da doença – para o maior ou menor grau da
contribuição feita pelos vários elementos que determinam se resulta ou não uma
enfermidade reconhecível. Conquanto, porém, eu aceite esta resposta como
correta, não é minha intenção transformá-la no motivo para rejeitar a própria
conclusão. Ao contrário, apresentarei o conceito de que a impotência psíquica
está muito mais difundida do que se supõe e que certa extensão desse
comportamento caracteriza, de fato, o amor do homem civilizado.
Se ampliar o conceito da impotência psíquica e não
se restringir o malogro em realizar o ato do coito, em circunstâncias em que
esteja presente o desejo de obter prazer e o aparelho genital esteja intacto,
podemos, em primeiro lugar, acrescentar todos aqueles homens que são descritos
como psicanestésicos: homens que nunca falham no ato, mas que o realizam sem
dele derivar qualquer prazer especial – um estado de coisas que é muito mais
comum do que se pensa. O exame psicanalítico desses casos revela os mesmos
fatores etiológicos encontrados na impotência psíquica no seu sentido mais estrito,
sem antes encontrar qualquer explicação para a diferença entre seus sintomas.
Uma analogia facilmente justificável nos leva desses homens anestésicos para o
imenso número de mulheres frígidas; e não há melhor maneira de descrever ou
compreender seu comportamento amoroso do que comparando-o à perturbação
manifesta da impotência psíquica nos homens.
Se, no entanto, voltarmos nossa atenção, não para a
extensão do conceito de impotência psíquica mas para as gradações em sua
sintomatologia, não poderemos fugir à conclusão de que o comportamento amoroso
dos homens, no mundo civilizado de hoje, de modo geral traz o selo da
impotência psíquica. Existe apenas um pequeno número de pessoas educadas em que
as duas correntes, de afeição e de sensualidade, se fundiram adequadamente; o
homem quase sempre sente respeito pela mulher, que atua como restrição à sua
atividade sexual, e só desenvolve potência completa quando se acha com um
objeto sexual depreciado; e isto, por sua vez, é causado, em parte, pela
entrada de componentes perversos em seus objetivos sexuais, os quais não ousa
satisfazer com a mulher que ele respeita. Assegura-se de prazer sexual completo
apenas quando se pode dedicar sem reserva a obter satisfação, o que, com sua
mulher bem educada, por exemplo, não se atreve a realizar. É esta a origem de
sua necessidade de um objeto sexual depreciado, de uma mulher eticamente
inferior, a quem não precise atribuir escrúpulos estéticos, que não o conheça
em seu outro círculo de relações sociais e que ali não o possa julgar. É a esta
mulher que prefere dedicar sua potência sexual, mesmo quando toda sua afeição
pertença a uma mulher de natureza superior. Também é possível que a tendência a
escolher uma mulher de classe mais baixa para sua amante permanente ou mesmo para
sua esposa, tão frequentemente observada nos homens das classes mais altas da
sociedade, nada mais seja que a consequência de sua necessidade de um objeto
sexual depreciado, a quem se vincule psicologicamente a possibilidade de
completa satisfação sexual.
Não vacilo em admitir que os dois fatores em
atividade na impotência psíquica, no sentido estrito – os fatores de intensa
fixação incestuosa, na infância, e a frustração devida à realidade, na
adolescência – respondam também por esta característica extremamente comum do
amor dos homens civilizados. Parece não só desagradável mas também paradoxal,
que deva, não obstante, afirmar que alguém, para ser realmente livre e feliz no
amor, tem de sobrepujar seu respeito pelas mulheres e aceitar a ideia do
incesto com sua mãe ou irmã. Qualquer pessoa que se sujeite a uma séria
introspecção a respeito dessa necessidade certamente se convencerá ao descobrir
que considera o ato sexual, basicamente, algo degradante, que conspurca e polui
mais do que simplesmente o corpo. A origem dessa vil opinião, que ele
certamente não reconhecerá de boa-vontade, deve ser procurada no período de sua
infância em que a corrente sensual nele existente já estava grandemente
desenvolvida, mas sua satisfação com um objeto fora da família era quase tão
absolutamente proibida como o era com um objeto incestuoso.
No nosso mundo civilizado, as mulheres estão sob a
influência de um efeito residual, semelhante, de sua educação e, além disso, de
sua reação ao comportamento dos homens. É, naturalmente, tão desvantajoso para
uma mulher se um homem a procura sem sua potência plena como o é se a
supervalorização inicial dela, quando enamorado, dá lugar a uma sub valorização
depois de possuí-la. No caso das mulheres, há pouca indicação da necessidade de
depreciar seu objeto sexual. Isto se liga, sem dúvida, com a ausência nelas,
geralmente, de nada semelhante à supervalorização que se encontra nos homens.
Porém, sua longa contenção de sexualidade e seu anseio de sensualidade em
fantasia, tem para elas outra consequência importante. São, muitas vezes, sub
sequentemente, incapazes de desfazer a conexão entre a atividade sensual e a
proibição, tornando-se psiquicamente impotentes, isto é, frígidas, quando tal
atividade, finalmente, lhes é permitida. Esta é a origem do empenho realizado
por muitas mulheres de manter secretas, por certo tempo, mesmo suas relações
legítimas; e da capacidade de outras mulheres para a sensação normal, tão logo
a condição de proibição se restabeleça devido a uma relação amorosa secreta:
infiéis a seus maridos, são capazes de manter um segunda espécie de finalidade
em relação a seus amantes.
A condição de proibitividade na vida erótica das
mulheres é comparável, creio eu, à necessidade da parte dos homens de depreciar
seu objeto sexual. Ambas são consequências de um longo período de demora, que é
exigida pela educação, por razões culturais, entre a maturidade sexual e a
atividade sexual. Ambas tendem a abolir a impotência psíquica que resulta do
malogro de se fundirem os impulsos afetuosos e sensuais. O fato de que o efeito
das mesmas causas seja tão diferente nos homens e nas mulheres pode talvez ser
atribuído a outra diferença no comportamento dos dois sexos. As mulheres
civilizadas geralmente não transgridem a proibição de atividade sexual durante
o período em que têm de esperar e, assim, estabelecem a ligação íntima entre
proibição e sexualidade. Os homens geralmente desrespeitam essa proibição se
podem satisfazer a condição de depreciar o objeto e, em consequência, mantêm
essa condição em seu amor mais tarde, na vida.
Em vista dos esforços extenuantes que se fazem
hoje, no mundo civilizado, para reformar a vida sexual, será supérfluo advertir
que a pesquisa psicanalítica está tão isenta de tendenciosidade quanto qualquer
outra espécie de pesquisa. Não há nenhum outro objetivo em vista além de
derramar alguma luz sobre as coisas, ao procurar que se revele o que está
oculto. Será bastante satisfatório se as reformas fizerem uso dessas
descobertas para substituir o que é prejudicial por algo mais vantajoso; mas
não se pode predizer se outras instituições não redundarão em outros
sacrifícios, talvez mais sérios.
O fato de que a restrição feita ao amor pela
civilização envolva uma tendência universal a depreciar os objetos sexuais pode
conduzir-nos, talvez, a desviar nossa atenção do objeto para os instintos em
si. O prejuízo causado pela frustração inicial do prazer sexual se evidencia no
fato de que a liberdade mais tarde concedida a esse prazer, no casamento, não
proporcione satisfação completa. Mas, ao mesmo tempo, se não se limita a
liberdade sexual desde o início, o resultado não é melhor. Pode-se verificar,
facilmente, que o valor psíquico das necessidades eróticas se reduz, tão logo
se tornem fáceis suas satisfações. Para intensificar a libido, se requer um
obstáculo; e onde as resistências naturais à satisfação não foram suficientes,
o homem sempre ergueu outros, convencionais, a fim de poder gozar o amor. Isto
se aplica tanto aos indivíduos como às nações. Nas épocas em que não havia dificuldades
que impedissem a satisfação sexual, como, talvez, durante o declínio das
antigas civilizações, o amor tornava-se sem valor e a vida, vazia; eram
necessárias poderosas formações reativas para restaurar os valores afetivos
indispensáveis. Nessa conexão, pode-se afirmar que a corrente ascética da
Cristandade criou valores psíquicos para o amor que a antiguidade pagã nunca
fora capaz de lhe conferir. Essa corrente adquiriu sua maior importância
através dos monges ascéticos, cujas vidas foram quase exclusivamente dedicadas
a combater a tentação libidinosa.
Nosso primeiro impulso consiste, sem dúvida, em
retraçar as dificuldades aqui reveladas às características universais de nossos
instintos orgânicos. Por certo também é verdade que, em geral, a importância
psíquica de um instinto cresce em proporção a sua frustração. Suponhamos que
uma série de pessoas, totalmente diferentes, fossem todas igualmente sujeitas à
fome. À medida que sua necessidade imperiosa de alimentos crescesse, todas as
diferenças individuais desapareceriam e, em seu lugar, observar-se-iam
manifestações uniformes do único instinto não saciado. Mas, será também verdade
que, com a satisfação de um instinto, seu valor psíquico sempre cai na mesma
proporção? Consideremos, por exemplo, a relação de um beberrão com o vinho. Não
é verdade que o vinho sempre proporciona ao beberrão a mesma satisfação tóxica
que, na poesia, tem sido tão frequentemente comparada à satisfação erótica –
uma comparação que também é igualmente aceitável do ponto de vista científico?
Alguém já ouviu falar de que o beberrão seja obrigado a trocar constantemente
de bebida, porque logo enjoa de beber a mesma coisa? Ao contrário, o hábito
constantemente reforça o vínculo que prende o homem à espécie de vinho que ele
bebe. Alguém já ouviu falar de um beberrão que precise ir a um país em que o
vinho seja mais caro ou em que seja proibido beber, de modo que, erguendo
obstáculos, ele possa aumentar a satisfação decrescente que obtém? De maneira
nenhuma. Se atentarmos para o que dizem os grandes alcoólatras, como Böcklin, a
respeito de sua relação com o vinho, ela aparece como a mais harmoniosa
possível, um modelo de casamento feliz. Por que a relação do amante com seu
objeto sexual será tão profundamente diferente?
Por mais estranho que pareça, creio que devemos
levar em consideração a possibilidade de que algo semelhante na natureza do
próprio instinto sexual é desfavorável à realização da satisfação completa. Se
considerarmos a longa e difícil história do desenvolvimento do instinto, nos
virão à mente, imediatamente, dois fatores que podem ser julgados os
responsáveis por essa dificuldade. Primeiramente, em consequência da irrupção
bifásica da escolha de objeto, e da interposição da barreira contra o incesto,
o objeto final do instinto sexual nunca mais será o objeto original, mas apenas
um sub-rogado do mesmo. A psicanálise revelou-nos que quando o objeto original
de um impulso desejoso se perde em consequência da repressão, ele se
representa, frequentemente, por uma sucessão infindável de objetos substitutos,
nenhum dos quais, no entanto, proporciona satisfação completa. Isto pode
explicar a inconstância na escolha de objetos, o ‘anseio pela estimulação’ que
tão amiúde caracterizam o amor dos adultos.
Em segundo lugar, sabemos que o instinto sexual é,
originalmente, dividido em grande número de componentes – ou melhor,
desenvolve-se desses componentes – alguns dos quais não podem integrar o
instinto em sua forma final, mas têm de ser suprimidos ou destinados a outros
empregos em uma fase anterior. São eles, principalmente, os componentes
instintivos, que demonstraram ser incompatíveis com nossos padrões estéticos de
cultura, provavelmente porque, em consequência de havermos adotado a postura
ereta, erguemos do chão nosso órgão do olfato. O mesmo se aplica a uma grande
parte dos impulsos sádicos que constituem parte da vida erótica. Mas todos
esses processos do desenvolvimento só atingem as camadas mais superiores de
estrutura complexa. Os processos fundamentais que produzem excitação erótica
permanecem inalterados. O excrementício está todo, muito íntima e
inseparavelmente, ligado ao sexual; a posição dos órgãos genitais – inter
urinas et faeces – permanece sendo o fator decisivo e imutável. Poder-se-ia
dizer neste ponto, modificando um dito muito conhecido do grande Napoleão: ‘A
anatomia é o destino.’ Os órgãos genitais propriamente ditos não participaram
do desenvolvimento do corpo humano visando à beleza: permaneceram animais e,
assim, também o amor permaneceu, em essência, tão animal como sempre foi. Os
instintos do amor são difíceis de educar; sua educação ora consegue de mais,
ora de menos. O que a civilização pretende fazer deles parece inatingível, a
não ser à custa de uma ponderável perda de prazer: a persistência dos impulsos
que não puderam ser utilizados pode ser percebida na atividade sexual, sob a
forma de não-satisfação.
Assim, talvez tenhamos de ser forçados a nos
reconciliar com a ideia de que é absolutamente impossível harmonizar os
clamores de nosso instinto sexual com as exigências da civilização: de que, em
consequência de seu desenvolvimento cultural, a renúncia e o sofrimento, bem
como o perigo de extinção no futuro mais remoto, não podem ser evitados pela
raça humana. Este sombrio prognóstico repousa, é verdade, na simples conjectura
de que a não-satisfação inerente à civilização é consequência necessária de
certas peculiaridades que o instinto sexual adotou sob a pressão da cultura. A
própria incapacidade do instinto sexual de produzir satisfação completa, tão logo
se submete às primeiras exigências da civilização, torna-se a fonte, no
entanto, das mais nobres realizações culturais que são determinadas pela
sublimação cada vez maior de seus componentes instintivos. Pois, que motivo
teria o homem para colocar as forças instintivas sexuais a outros serviços se,
com qualquer distribuição dessas forças, eles poderiam conseguir prazer
completamente satisfatório? Não renunciariam nunca a esse prazer e jamais
realizariam qualquer outro progresso. Parece, portanto, que a diferença
irreconciliável entre as exigências dos dois instintos – o sexual e o egoísta –
tornou os homens capazes de realizações cada vez melhores, conquanto sujeitos,
é verdade, a um perigo constante, ao qual, sob a forma de neurose, sucumbem
hoje os mais fracos.
“Os instintos do amor são difíceis de educar; sua
educação ora consegue de mais, ora de menos. O que a civilização pretende fazer
deles parece inatingível, a não ser à custa de uma ponderável perda de prazer:
a persistência dos impulsos que não puderam ser utilizados pode ser percebida
na atividade sexual, sob a forma de não-satisfação”
Bibliografia:
Vol.
XII – (8) OBSERVAÇÕES SOBRE O AMOR
TRANSFERENCIAL (NOVAS
RECOMENDAÇÕES SOBRE A TÉCNICA DA PSICANÁLISE III) (1915 [1914])
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